O senso comum e a
mentalidade do povo brasileiro são dominados pela ideologia do livre mercado.
A sociedade civil de
nosso país, que foi bombardeada por anos de propaganda e doutrinação feitas,
principalmente, através da grande mídia, é refém do discurso neoliberal de
Estado mínimo, que foi imposto de forma semelhante ao totalitarismo desde
meados do século XX.
Esta ideologia
triunfou depois de ter sido exaustivamente repetida, e acabou penetrando no
coração do povo, que, em sua maioria, passou a defendê-la acriticamente. É
assim que se consuma parte da autoescravização da classe trabalhadora
brasileira e mundial.
A grande questão é:
há como desmascará-la e vencê-la? O povo consegue abrir mão dela?
A “esquerda” não soube ou não quis responder a estas perguntas, em
parte, porque teme enfrentar a consciência utilitária e conservadora de grande
parte do povo e de si própria.
I - No que consiste a ideologia de livre mercado?
A televisão, a grande
mídia, as universidades e as escolas atuais nos doutrinam através da ideia de
que vivemos em uma economia de “livre mercado”; que democracia é sinônimo de
capitalismo e “liberdade de mercado” é o mesmo que liberdade individual.
O egoísmo
individualista é visto como a fonte geradora de riqueza, dando as diretrizes “éticas”
para a sociedade e para o caráter. O senso comum chama ser rico e ter um
emprego de “ser alguém na vida”. Ou seja, “somos alguém na vida” se temos
dinheiro para consumir e enriquecer. Liberdade é confundida com posses.
O discurso neoliberal
esconde seu totalitarismo quando ataca e condena qualquer coisa que pense
diferente, transformando-o numa “verdade universal”, já que ele necessita de
uma padronização para funcionar. No entanto, o “livre mercado” não passa de uma
forma de organização econômica que reflete os monopólios e os cartéis que
controlam e definem os preços do mercado na época imperialista.
Se vende a ideia de
que no capitalismo o livre mercado é soberano e justo, não sofrendo influência
alguma dos multimilionários, bancos e mega empresas, possibilitando o suposto
enriquecimento de qualquer pessoa. Não é muito difícil perceber que trata-se de
uma trapaça, embora o povo pareça querer acreditar nesse engodo justamente
porque, em seu íntimo, almeja ser rico e poderoso como eles.
II - As consequências da ideologia do livre mercado para a economia
brasileira
Numa economia
periférica que não superou plenamente as heranças coloniais, como é a
brasileira, a ideologia do livre mercado serve como uma forma de escravidão
mental que mantém o discurso preso num eterno ciclo vicioso de exploração e
submissão internacional. Isso significa que o imperialismo em suas distintas
faces não precisa invadir militarmente o nosso país: os atuais ideólogos,
jornalistas, escritores e “militantes” nacionais são os próprios cavalos de
Tróia que fazem o trabalho de criar os grilhões invisíveis, que se transformam
em dogmas econômicos e morais, vociferados todos os dias nos telejornais, nas
universidades, nos canais monetizados do youtube e na agenda econômica oficial
que torna o nosso país refém acrítico desta exploração e sabotagem sem fim.
É a partir da
ideologia do livre mercado que os EUA e os países europeus controlam o Brasil e
liquidam, na prática, a sua soberania.
Qualquer ação
internacional do Brasil ou de outros países é enquadrada, julgada e justificada
a partir dessa ideologia, que nos deixa dependente dos interesses da cúpula do
mercado mundial, sediada nos EUA e na Europa.
A mentalidade de
vira-lata, de que o país “não dá certo” e que não se pode colocar na competição
com outros países do mundo se deve, sobretudo, à ideologia de “livre mercado”,
que passa a falsa impressão de que não conseguimos nos disciplinar e nos
adequar às exigências da meritocracia e do mercado. Portanto, superar o
espírito de vira-lata e de desapreço pelo próprio país pressupõe superar a
ideologia de livre mercado.
III - A ideologia do livre mercado impõe os dogmas de “Estado mínimo”
O “Estado mínimo” é
um dogma criado pela escola de Chicago e imposto pelo Consenso de
Washington aos governos latino-americanos, sendo repetido como um mantra por
economistas mercenários e ecoado 24h na grande mídia.
O Estado nacional e a
sua intervenção sobre a economia é a única força capaz de se contrapor ao poder
do imperialismo internacional e a sua aliada no país, a “elite do atraso”.
Assim, a ideologia do “livre mercado” e, em específico, os seus dogmas de
“Estado mínimo”, neutralizam politicamente qualquer país sem necessitar de uma
intervenção militar direta.
Além disso, a lógica
de “Estado mínimo” reforça o discurso de que o Brasil “só é viável se receber
investimentos estrangeiros”, não cabendo ao Estado nenhuma função econômica
além de segurança pública (também não cumprida integralmente) e de fiador do
lucro privado — sobretudo das multinacionais. No entanto, os verdadeiros
investimentos para o desenvolvimento nacional dependem do Estado (tal como nos
comprova a experiência varguista e chinesa, por exemplo), dentre outras coisas,
para criar as condições em que o empresariado nacional — sobretudo o paulista —
passe a reinvestir seus capitais no nosso país, fazendo a roda começar a girar
a favor do mercado interno (este é o único e real empreendedorismo que pode
beneficiar o povo brasileiro).
Já nos países do
Oriente Médio e da Ásia, o discurso passa a ser o de “democracia” para
substituir os “governos autoritários”, “terroristas” ou do “eixo do mal”. A
democracia liberal é o instrumento político no qual a ideologia do “livre
mercado” opera, supostamente para auxiliar populações massacradas por governos
autoritários, escondendo, por sua vez, a auto escravização resultante da
aplicação da própria ideologia.
IV - A iniciativa privada como um “santo remédio”
Segundo a ideologia
do livre mercado, os governos e o Estado supostamente “atrapalhariam” a
iniciativa privada — cobrando impostos, fiscalizando e definindo leis, regras,
regulamentações econômicas, etc. Em contrapartida, a iniciativa privada é vista
como um poço de virtudes e uma fonte de soluções.
Não é verdade que o
bem esteja só de um lado e todo o mal no outro. A ideologia do livre mercado
serve perfeitamente para disfarçar o fato de que a iniciativa privada quer
deixar o Estado exclusivamente como fiador do lucro privado às custas dos
investimentos sociais, sempre taxados de “gastanças desnecessárias” ou como
ameaças de “quebra do país”.
Enquanto a iniciativa
privada enriquece quase sempre uma pequena elite utilizando-se do Estado e dos
governos como meios de acumulação e combatendo qualquer forma de regulamentação
e cobrança de impostos que sirva para reverter a criação de riqueza em benefícios
sociais, os governos e a política são vistos erroneamente como os únicos focos
de corrupção e os únicos inimigos.
A ideologia do livre
mercado esconde, portanto, que a riqueza da iniciativa privada se faz às custas
da garantia do dinheiro público para isenções de impostos e de investimentos
que geralmente reproduzem e garantem a acumulação de capital para poucos às
custas da maioria.
O fato do governo
brasileiro pagar mais de 50% do que arrecada em juros e amortizações da dívida
pública para os bancos e o sistema financeiro, deixando uma pequena gorjeta
para a corrupção em distintos níveis, não deve ser justificativa para não se
pagar impostos, mas reforça a tese principal de que a iniciativa privada, o
agronegócio, o sistema financeiro e o empresariado nacional e internacional
utilizam os recursos públicos como garantia econômica para si próprios às
custas do desenvolvimento do país. Eles maquiam, disfarçam e escondem tudo isso
atrás da ideologia do livre mercado, que serve perfeitamente para estes fins.
Em síntese, a
ideologia do livre mercado sustenta a ideia de que só há desenvolvimento a
partir da iniciativa privada e de privatizações. Além disso, ela defende que
não há alternativa à economia de mercado nos moldes neoliberais. Os jornais e a
mídia fazem a lavagem cerebral, os ricos enriquecem ainda mais, o povo
empobrece ainda mais, repete o discurso e… aplaude!
V - A ideologia do livre mercado e os apetites e taras individuais
A maioria do povo
pobre simpatiza com a ideologia de livre mercado porque comunga com ela certas
noções e valores de acumulação de riquezas, que se relacionam, de uma forma ou
de outra, com os códigos morais tradicionais e expectativas de vida
consumistas.
Por exemplo: o homem como “chefe de família”, já que não pode mandar na
arbitrariedade dos governos, dos bancos, da polícia ou local de trabalho, quer
compensar em casa, nas mulheres e nos filhos, agredindo-os se necessário for.
Ou seja, quer sentir-se importante e poderoso em algum nível como compensação
psíquica.
Os ideólogos, jornalistas e escritores que propagam a ideologia do livre
mercado usam e abusam da ilusão de que o capitalismo seria autenticamente
democrático e respeitaria as “liberdades individuais”, enquanto o socialismo e
qualquer oposição ao “livre mercado” seriam uma afronta à própria liberdade
humana. Confundem propositalmente “liberdades individuais” com “fazer o que se
quiser”, mesmo que não se tenha dinheiro; e misturam tudo isso com a defesa de
“deus, pátria e a família tradicional” que, muitas vezes, se assenta no
moralismo mais retrógrado e numa completa confusão de conceitos econômicos que,
ao fim e ao cabo, defendem apenas a riqueza e a propriedade dos
multibilionários.
O fato, contudo, é que a “liberdade” do liberalismo e do “livre mercado”
é muito relativa e, na prática, enganosa. Talvez esta ideologia tenha vencido
no final do século XX precisamente porque ofereceu a ordem social aparentemente
menos intrusiva nos desvios e taras individuais. Além disso, mostrou-se como o
instrumento mais conciliador e tolerante de repressão diurna do inconsciente
noturno, o que dá uma aparência de mais “liberdade”, quando na realidade o
próprio capitalismo e o seu “livre mercado” se beneficiam dos vícios e taras
das profundezas obscuras de cada um de nós (o que inclui o egoísmo mais
rasteiro e as perversões não declaráveis). Reforça também a luta de todos
contra todos, gerando o caos sádico que é aproveitado pelas elites para dividir
e reinar.
Enfrentar a ideologia de livre mercado pressupõe, portanto, encarar esta
confusão proposital que foi feita pelos ideólogos neoliberais fazendo uma
mistureba louca de moralismos e economia, mesmo sabendo que para a psicologia
de massas o discurso racional sequer arranhe as convicções egotistas,
geralmente irracionais, de cada pessoa. Significa, muitas vezes, comprar uma
briga com os desvios do povo e, consequentemente, com bases sociais, sindicais
e eleitorais — algo que é temido à morte pelas esquerdas.
O regime militar sempre foi uma forma preferencial de governo ao longo
da História para disciplinar a espécie humana ao trabalho forçado. O
liberalismo, com sua ideologia de livre mercado, conseguiu transformar uma
violência física — o regime militar — numa violência simbólica feita, na
maioria das vezes, imperceptivelmente, através de uma permanente ameaça
disfarçada com o desconto salarial, as dívidas, a demissão, o desemprego, a
deportação, etc. Esta “força branda”, que é, na realidade, uma violência
simbólica, dá uma roupagem de respeito à “democracia” e “liberdade individual”,
quando se trata de uma forma nem tão sutil de censura.
A coerção liberal, portanto, é feita através de mecanismos econômicos,
quase sempre querendo se passar por uma consequência de alguma “insuficiência
individual”; se trataria, portanto, de alguma “escolha” ou “má conduta pessoal”. É como na lógica meritocrática: o perseguido e censurado sente-se
como corretamente punido por sofrer a censura e a perseguição.
Esta forma sutil de censura dá a impressão de que há democracia em
comparação com as “terríveis ditaduras comunistas” e “estatais”, que lhe
perseguem, espionam e censuram com as suas polícias secretas. Nas “democracias”
liberais a espionagem é feita pelas redes sociais e outros mecanismos de
filmagem (voluntárias e involuntárias), a perseguição ocorre por meio de
“degolas burocráticas”, cancelamentos, demissões, “nomes sujos”, fichas
policiais, etc.
Existem distintos níveis de censura e ditadura nas “democracias
liberais”, todos escondidos pela ideologia de livre mercado.
Em primeiro lugar, é a falta de dinheiro para a maioria esmagadora das
pessoas, que dificulta ou mesmo impossibilita qualquer ação ou divulgação de
ideias e críticas independentes. Depois é a demissão, que aparenta
individualizar o problema ou despersonalizar uma perseguição. Por fim, temos as
bolhas das redes sociais, onde falamos para nós mesmos e para o seleto grupo de
pessoas que pensa como nós.
Quando tudo isso não é suficiente para abafar, padronizar e controlar o
pensamento diferente e o descontentamento dos debaixo, explodindo, apesar de
todos estes mecanismos informais de controle um movimento de massas, sobrevêm,
então, os golpes de estado e a repressão militar e policial direta.
VI - Uma ideologia que funciona… desde que se tenha dinheiro!
Para além dessa
condescendência suspeita com a “vida noturna”, as taras e as incoerências
humanas de cada um de nós, o liberalismo e o “livre mercado” vendem a ideia de
que defendem e propagam uma liberdade individual absoluta. Só não podem
acrescentar que para que ela seja verdadeira e não apenas um discurso sedutor,
é preciso ter dinheiro.
Por exemplo:
Eu posso expor minhas
ideias e artes nas redes sociais, plataformas e publicar jornais para
divulgá-las atingindo um bom número de pessoas, desde que tenha dinheiro.
Também cabe perguntar se as ideias são realmente minhas ou se são influência de
uma indústria cultural e de meios de comunicação muito mais poderosos do que
eu.
Tenho “direito de ir
e vir”, sair por aí, pela cidade, pelo país e pelo mundo, desde que tenha
dinheiro. Posso comprar carros, casas e eletroeletrônicos novos, desde que
tenha dinheiro. Posso até mesmo mandar meu patrão à merda, desde que tenha uma
soma de dinheiro que me mantenha ou, então, um outro emprego em vista que me
submeterá a um novo patrão.
Mesmo que nunca se
concretizem — e a maioria desses “sonhos” nunca se concretizam! —, tais planos
existem como possibilidades reais na cabeça de quem compra a ideologia. É a
velha cenoura amarrada na testa do burrico para que ele ande infinitamente sem
reclamar e nunca a abocanhe!
VII - A meritocracia como a “cenoura inatingível”
O Brasil nunca teve
uma elite com o propósito de desenvolver uma filosofia e cosmogênese próprias
que encarnassem o “espírito” do desenvolvimento nacional de forma autônoma e
corajosa.
Ao contrário.
Sua “tradição espiritual” e visão de mundo é uma simples reprodução dos
valores ocidentais europeus e estadunidenses — como, por exemplo, a ideologia
do “livre mercado”, dentre outras — para tentar se integrar no mercado mundial
e conseguir vender o país para enriquecimento de poucos. Esta “tradição
espiritual” e visão de mundo transforma-se em tipos particulares de mentalidade
e psicologia social nas massas, que tomam como suas. Daí advém a sua “esperança
infinita” de que “a vida vai melhorar”. Só que ela nunca melhora. A ideologia
de livre mercado esconde uma mentalidade colonial e uma das maiores
desigualdades sociais do mundo.
A meritocracia é uma
forma de disfarçar ideologicamente a exploração, a roubalheira e a violência
simbólica e real da classe dominante com um discurso supostamente “justo”. O
povo brasileiro comprou a meritocracia a partir do discurso de
empreendedorismo, mas sem levar em consideração que para empreender é
necessário ter um mercado regulamentado que atenda o básico de serviços,
infraestrutura urbana, rural, logística e, sobretudo, social, além de uma
política financeira de empréstimos a juros baixo que possibilite o empreendedor
empreender.
O empreendedorismo e a meritocracia vendidos pela mídia e pela classe
dominante brasileira não passam de uma ideologia para mistificar a realidade e
jogar uns contra os outros, culpando o pobre pela pobreza e justificando as
imorais fortunas dos bilionários. Triste é constatar o fato de que o povo
compre-a tão facilmente, mesmo com tantas contradições na realidade sendo
visíveis a olho nu.
Isso não quer dizer que ter mérito e qualidade no trabalho não seja
importante — incluso em uma sociedade socialista —, mas isso nada tem nada a
ver com uma ideologia que serve para justificar e mistificar a realidade
brasileira e as suas gritantes desigualdades.
VIII - Devemos admitir que o povo pobre foi seduzido pela ideologia de
livre mercado e a abraçou quase voluntariamente!
A nossa principal tarefa ideológica deveria ser emancipar o pensamento
do povo do domínio do liberalismo dogmático (isto é: da ideologia do livre
mercado). Porém, para termos alguma chance de mudar essa realidade e,
consequentemente, a maneira de pensar da maioria do povo, temos que ter a
coragem de olhá-la de frente e, a partir daí, propormos tarefas realizáveis e
sensatas.
Devemos reconhecer que uma parte considerável do povo brasileiro quer
acreditar na ideologia de livre mercado em função desta junção confusa de
conceitos, preconceitos e práticas. O povo foi seduzido por décadas de
doutrinação liberal e anti-comunista, beirando até mesmo a paranóia, o que
demonstra a força das auto verdades irracionais, sempre utilizadas pelos
ideólogos da burguesia contra o próprio povo.
As elites nacionais e as suas mídias sabem bem os pontos nevrálgicos
onde há propensões egotistas humanas prontas a serem manipuladas para seduzir,
ludibriar e conquistar egos frágeis. Sabe seduzi-los com promessas demagógicas
de riqueza e poder, que é um dos cernes fundamentais da ideologia do livre
mercado — e o pior: sabe que o povo tem se vendido facilmente! Assim, uma
grande parcela da população age contra os seus próprios interesses, sendo um
resultado direto da manipulação da psicologia de massas.
A ideologia de livre mercado se forjou e se consolidou na condução e
manipulação do egoísmo humano presente em cada um de nós. Sabe onde apertar e
onde aliviar.
A “esquerda”, os movimentos sociais, sindicatos e partidos operários não
têm sabido combatê-la. Ao contrário, têm se rendido às maiorias da sociedade
civil e da opinião pública por medo da impopularidade momentânea, julgando,
erroneamente, que para combater a ideologia de livre mercado basta ser o mais
racional entre os racionais; o detentor das mais sábias e perfeitas análises
econômicas entre os economistas e militantes; porém, não entende nada de
ansiedade, vazio existencial e sequer está apta a ouvir um trabalhador
sinceramente, com toda a sua presença e todo o seu coração. Ou seja, ignora
orgulhosa e estupidamente a psicologia de massas.
Pensa que o
racionalismo iluminista é suficiente para enfrentar a manipulação liberal e que
as infindáveis carências sociais e econômicas — vulgo, estômago vazio — geram
automaticamente consciência auto-reflexiva e organizativa, sem que haja um
enfrentamento e contra-debate dentro do terreno explorado e dominado pelo
inimigo, que é a psicologia de massas, o vazio existencial, o sentimento
numinoso preenchido pelas religiões organizadas, etc; não dá o exemplo a partir
da própria pele, seja na escuta autêntica, seja na reformulação radical dos
métodos de organização, de debate, de trabalho de base, de sensibilidade
militante, etc. Faz tudo igual, sem criatividade alguma… e ainda espera
resultados diferentes!
Como é estreita uma
visão política e econômica que não entende e enfrenta os mecanismos
subterrâneos das paixões humanas. Como é triste e inglória uma luta que ignora
as ansiedades da alma humana e pensa de forma positivista, achando que o mero
discurso racionalista e científico é capaz, por si mesmo, de triunfar sobre o
discurso irracional e a manipulação da burguesia e da sua direita neofascista.
A desconfiança da
política e dos políticos não tem sido atribuída pelo povo ao capitalismo, ao
liberalismo e ao livre mercado. Eles são vistos e sentidos como forças
supostamente neutras e até mesmo benéficas. A culpa é sempre estritamente dos
políticos e da política (e… dos comunistas, que nunca estiveram no poder no
Brasil!). A criticidade não tem avançado, não assumindo valores socialistas e
humanistas, nem na visão política geral, nem nas relações pessoais cotidianas.
É a força da ideologia que faz isso, justamente porque ganhou o coração e a
mente do povo e passou a ser parte dele, da sua visão de mundo e dos seus
valores.
Nada do que a
esquerda nos seus mais diferentes espectros tem feito arranha essas ilusões que
cobram um preço duríssimo para as condições de vida da maioria da população. É
o principal trunfo da burguesia na manutenção do sistema.
Grande parte da
manipulação da psicologia de massas do neofascismo diz respeito às dicotomias
entre segurança material X independência real; dignidade democrática X
bem-estar; orgulho X prosperidade. Quando nos lançamos em uma luta política,
sindical e revolucionária, colocamos em jogo o nosso bem-estar material, pois
nos enfrentamos com a perseguição em distintos níveis, podendo ser retaliado,
demitido ou morto.
Geralmente a classe
trabalhadora passa pelas mais insidiosas necessidades materiais. A indústria
cultural e a sua propaganda conseguiram inverter a lógica, a narrativa e as
carências materiais criadas pelo capitalismo a seu favor. Além disso, as noções
egóicas construídas por séculos de pregação judaico-cristã, mais a propaganda,
as marcas, a sedução da fama e enriquecimento fáceis que são para poucos, mas
que servem como a cenoura amarrada por uma vara de pescar no lombo do burrico,
trabalha para que os proletários temam perder a segurança que eles não têm e a
possível prosperidade que eles almejam ter um dia — e provavelmente nunca
terão.
Por enquanto, a propaganda capitalista venceu a comunista a partir da
sedução da psicologia de massas por inúmeras promessas egocentradas de riquezas
e poder, as quais as organizações comunistas e de “esquerda” não sabem fazer
frente.
Tudo isso nos deveria
forçar a tirar novas conclusões e a repensar tudo! Porém, quanto mais
dogmaticamente auto afirmações de guetos são gritadas, tão mais inócuas se
tornam e mais fracos nos tornamos para enfrentar as ideologias burguesas, que
acabam tendo mais força e adesão por parte da massa trabalhadora.
Talvez estas sejam algumas das razões pelas quais a
ideologia do livre mercado têm sido amplamente hegemônica na sociedade civil e
na mente e no coração de milhões de trabalhadores. Se, erroneamente, achamos
que já temos a resposta, continuaremos a gritar as mesmas coisas de sempre.
Reconhecer o problema, bem como as nossas insuficiências teóricas e práticas, é
o primeiro passo para tentar acordar o povo.