terça-feira, 16 de setembro de 2025

A ideologia do livre mercado

 




"A polícia mata muitos, e mais ainda mata a economia"
Eduardo Galeano

“O mundo ‘normal’ nos atrai.
Enquanto atrai, distrai.
E porque nos distrai, nos trai.
Se nos deixarmos trair, ele nos destrói.
É hora de despertar!”
Hermógenes.

 

         O senso comum e a mentalidade do povo brasileiro são dominados pela ideologia do livre mercado.

         A sociedade civil de nosso país, que foi bombardeada por anos de propaganda e doutrinação feitas, principalmente, através da grande mídia, é refém do discurso neoliberal de Estado mínimo, que foi imposto de forma semelhante ao totalitarismo desde meados do século XX.

         Esta ideologia triunfou depois de ter sido exaustivamente repetida, e acabou penetrando no coração do povo, que, em sua maioria, passou a defendê-la acriticamente. É assim que se consuma parte da autoescravização da classe trabalhadora brasileira e mundial.

         A grande questão é: há como desmascará-la e vencê-la? O povo consegue abrir mão dela? 

A “esquerda” não soube ou não quis responder a estas perguntas, em parte, porque teme enfrentar a consciência utilitária e conservadora de grande parte do povo e de si própria.

 

I - No que consiste a ideologia de livre mercado?

         A televisão, a grande mídia, as universidades e as escolas atuais nos doutrinam através da ideia de que vivemos em uma economia de “livre mercado”; que democracia é sinônimo de capitalismo e “liberdade de mercado” é o mesmo que liberdade individual.

         O egoísmo individualista é visto como a fonte geradora de riqueza, dando as diretrizes “éticas” para a sociedade e para o caráter. O senso comum chama ser rico e ter um emprego de “ser alguém na vida”. Ou seja, “somos alguém na vida” se temos dinheiro para consumir e enriquecer. Liberdade é confundida com posses.

         O discurso neoliberal esconde seu totalitarismo quando ataca e condena qualquer coisa que pense diferente, transformando-o numa “verdade universal”, já que ele necessita de uma padronização para funcionar. No entanto, o “livre mercado” não passa de uma forma de organização econômica que reflete os monopólios e os cartéis que controlam e definem os preços do mercado na época imperialista.

         Se vende a ideia de que no capitalismo o livre mercado é soberano e justo, não sofrendo influência alguma dos multimilionários, bancos e mega empresas, possibilitando o suposto enriquecimento de qualquer pessoa. Não é muito difícil perceber que trata-se de uma trapaça, embora o povo pareça querer acreditar nesse engodo justamente porque, em seu íntimo, almeja ser rico e poderoso como eles.

 

II - As consequências da ideologia do livre mercado para a economia brasileira

         Numa economia periférica que não superou plenamente as heranças coloniais, como é a brasileira, a ideologia do livre mercado serve como uma forma de escravidão mental que mantém o discurso preso num eterno ciclo vicioso de exploração e submissão internacional. Isso significa que o imperialismo em suas distintas faces não precisa invadir militarmente o nosso país: os atuais ideólogos, jornalistas, escritores e “militantes” nacionais são os próprios cavalos de Tróia que fazem o trabalho de criar os grilhões invisíveis, que se transformam em dogmas econômicos e morais, vociferados todos os dias nos telejornais, nas universidades, nos canais monetizados do youtube e na agenda econômica oficial que torna o nosso país refém acrítico desta exploração e sabotagem sem fim.

         É a partir da ideologia do livre mercado que os EUA e os países europeus controlam o Brasil e liquidam, na prática, a sua soberania.

         Qualquer ação internacional do Brasil ou de outros países é enquadrada, julgada e justificada a partir dessa ideologia, que nos deixa dependente dos interesses da cúpula do mercado mundial, sediada nos EUA e na Europa.

         A mentalidade de vira-lata, de que o país “não dá certo” e que não se pode colocar na competição com outros países do mundo se deve, sobretudo, à ideologia de “livre mercado”, que passa a falsa impressão de que não conseguimos nos disciplinar e nos adequar às exigências da meritocracia e do mercado. Portanto, superar o espírito de vira-lata e de desapreço pelo próprio país pressupõe superar a ideologia de livre mercado.

 

III - A ideologia do livre mercado impõe os dogmas de “Estado mínimo”

         O “Estado mínimo” é um dogma criado pela escola de Chicago  e imposto pelo Consenso de Washington aos governos latino-americanos, sendo repetido como um mantra por economistas mercenários e ecoado 24h na grande mídia.

         O Estado nacional e a sua intervenção sobre a economia é a única força capaz de se contrapor ao poder do imperialismo internacional e a sua aliada no país, a “elite do atraso”. Assim, a ideologia do “livre mercado” e, em específico, os seus dogmas de “Estado mínimo”, neutralizam politicamente qualquer país sem necessitar de uma intervenção militar direta.

         Além disso, a lógica de “Estado mínimo” reforça o discurso de que o Brasil “só é viável se receber investimentos estrangeiros”, não cabendo ao Estado nenhuma função econômica além de segurança pública (também não cumprida integralmente) e de fiador do lucro privado — sobretudo das multinacionais. No entanto, os verdadeiros investimentos para o desenvolvimento nacional dependem do Estado (tal como nos comprova a experiência varguista e chinesa, por exemplo), dentre outras coisas, para criar as condições em que o empresariado nacional — sobretudo o paulista — passe a reinvestir seus capitais no nosso país, fazendo a roda começar a girar a favor do mercado interno (este é o único e real empreendedorismo que pode beneficiar o povo brasileiro).

         Já nos países do Oriente Médio e da Ásia, o discurso passa a ser o de “democracia” para substituir os “governos autoritários”, “terroristas” ou do “eixo do mal”. A democracia liberal é o instrumento político no qual a ideologia do “livre mercado” opera, supostamente para auxiliar populações massacradas por governos autoritários, escondendo, por sua vez, a auto escravização resultante da aplicação da própria ideologia.

 

IV - A iniciativa privada como um “santo remédio”

         Segundo a ideologia do livre mercado, os governos e o Estado supostamente “atrapalhariam” a iniciativa privada — cobrando impostos, fiscalizando e definindo leis, regras, regulamentações econômicas, etc. Em contrapartida, a iniciativa privada é vista como um poço de virtudes e uma fonte de soluções.

         Não é verdade que o bem esteja só de um lado e todo o mal no outro. A ideologia do livre mercado serve perfeitamente para disfarçar o fato de que a iniciativa privada quer deixar o Estado exclusivamente como fiador do lucro privado às custas dos investimentos sociais, sempre taxados de “gastanças desnecessárias” ou como ameaças de “quebra do país”.

         Enquanto a iniciativa privada enriquece quase sempre uma pequena elite utilizando-se do Estado e dos governos como meios de acumulação e combatendo qualquer forma de regulamentação e cobrança de impostos que sirva para reverter a criação de riqueza em benefícios sociais, os governos e a política são vistos erroneamente como os únicos focos de corrupção e os únicos inimigos.

         A ideologia do livre mercado esconde, portanto, que a riqueza da iniciativa privada se faz às custas da garantia do dinheiro público para isenções de impostos e de investimentos que geralmente reproduzem e garantem a acumulação de capital para poucos às custas da maioria.

         O fato do governo brasileiro pagar mais de 50% do que arrecada em juros e amortizações da dívida pública para os bancos e o sistema financeiro, deixando uma pequena gorjeta para a corrupção em distintos níveis, não deve ser justificativa para não se pagar impostos, mas reforça a tese principal de que a iniciativa privada, o agronegócio, o sistema financeiro e o empresariado nacional e internacional utilizam os recursos públicos como garantia econômica para si próprios às custas do desenvolvimento do país. Eles maquiam, disfarçam e escondem tudo isso atrás da ideologia do livre mercado, que serve perfeitamente para estes fins.

         Em síntese, a ideologia do livre mercado sustenta a ideia de que só há desenvolvimento a partir da iniciativa privada e de privatizações. Além disso, ela defende que não há alternativa à economia de mercado nos moldes neoliberais. Os jornais e a mídia fazem a lavagem cerebral, os ricos enriquecem ainda mais, o povo empobrece ainda mais, repete o discurso e… aplaude!

 

V - A ideologia do livre mercado e os apetites e taras individuais

         A maioria do povo pobre simpatiza com a ideologia de livre mercado porque comunga com ela certas noções e valores de acumulação de riquezas, que se relacionam, de uma forma ou de outra, com os códigos morais tradicionais e expectativas de vida consumistas. 

Por exemplo: o homem como “chefe de família”, já que não pode mandar na arbitrariedade dos governos, dos bancos, da polícia ou local de trabalho, quer compensar em casa, nas mulheres e nos filhos, agredindo-os se necessário for. Ou seja, quer sentir-se importante e poderoso em algum nível como compensação psíquica.

Os ideólogos, jornalistas e escritores que propagam a ideologia do livre mercado usam e abusam da ilusão de que o capitalismo seria autenticamente democrático e respeitaria as “liberdades individuais”, enquanto o socialismo e qualquer oposição ao “livre mercado” seriam uma afronta à própria liberdade humana. Confundem propositalmente “liberdades individuais” com “fazer o que se quiser”, mesmo que não se tenha dinheiro; e misturam tudo isso com a defesa de “deus, pátria e a família tradicional” que, muitas vezes, se assenta no moralismo mais retrógrado e numa completa confusão de conceitos econômicos que, ao fim e ao cabo, defendem apenas a riqueza e a propriedade dos multibilionários.

O fato, contudo, é que a “liberdade” do liberalismo e do “livre mercado” é muito relativa e, na prática, enganosa. Talvez esta ideologia tenha vencido no final do século XX precisamente porque ofereceu a ordem social aparentemente menos intrusiva nos desvios e taras individuais. Além disso, mostrou-se como o instrumento mais conciliador e tolerante de repressão diurna do inconsciente noturno, o que dá uma aparência de mais “liberdade”, quando na realidade o próprio capitalismo e o seu “livre mercado” se beneficiam dos vícios e taras das profundezas obscuras de cada um de nós (o que inclui o egoísmo mais rasteiro e as perversões não declaráveis). Reforça também a luta de todos contra todos, gerando o caos sádico que é aproveitado pelas elites para dividir e reinar.

Enfrentar a ideologia de livre mercado pressupõe, portanto, encarar esta confusão proposital que foi feita pelos ideólogos neoliberais fazendo uma mistureba louca de moralismos e economia, mesmo sabendo que para a psicologia de massas o discurso racional sequer arranhe as convicções egotistas, geralmente irracionais, de cada pessoa. Significa, muitas vezes, comprar uma briga com os desvios do povo e, consequentemente, com bases sociais, sindicais e eleitorais — algo que é temido à morte pelas esquerdas.

O regime militar sempre foi uma forma preferencial de governo ao longo da História para disciplinar a espécie humana ao trabalho forçado. O liberalismo, com sua ideologia de livre mercado, conseguiu transformar uma violência física — o regime militar — numa violência simbólica feita, na maioria das vezes, imperceptivelmente, através de uma permanente ameaça disfarçada com o desconto salarial, as dívidas, a demissão, o desemprego, a deportação, etc. Esta “força branda”, que é, na realidade, uma violência simbólica, dá uma roupagem de respeito à “democracia” e “liberdade individual”, quando se trata de uma forma nem tão sutil de censura.

A coerção liberal, portanto, é feita através de mecanismos econômicos, quase sempre querendo se passar por uma consequência de alguma “insuficiência individual”; se trataria, portanto, de alguma “escolha” ou “má conduta pessoal”. É como na lógica meritocrática: o perseguido e censurado sente-se como corretamente punido por sofrer a censura e a perseguição.

Esta forma sutil de censura dá a impressão de que há democracia em comparação com as “terríveis ditaduras comunistas” e “estatais”, que lhe perseguem, espionam e censuram com as suas polícias secretas. Nas “democracias” liberais a espionagem é feita pelas redes sociais e outros mecanismos de filmagem (voluntárias e involuntárias), a perseguição ocorre por meio de “degolas burocráticas”, cancelamentos, demissões, “nomes sujos”, fichas policiais, etc.

Existem distintos níveis de censura e ditadura nas “democracias liberais”, todos escondidos pela ideologia de livre mercado.

Em primeiro lugar, é a falta de dinheiro para a maioria esmagadora das pessoas, que dificulta ou mesmo impossibilita qualquer ação ou divulgação de ideias e críticas independentes. Depois é a demissão, que aparenta individualizar o problema ou despersonalizar uma perseguição. Por fim, temos as bolhas das redes sociais, onde falamos para nós mesmos e para o seleto grupo de pessoas que pensa como nós.

Quando tudo isso não é suficiente para abafar, padronizar e controlar o pensamento diferente e o descontentamento dos debaixo, explodindo, apesar de todos estes mecanismos informais de controle um movimento de massas, sobrevêm, então, os golpes de estado e a repressão militar e policial direta.

 

VI - Uma ideologia que funciona… desde que se tenha dinheiro!

         Para além dessa condescendência suspeita com a “vida noturna”, as taras e as incoerências humanas de cada um de nós, o liberalismo e o “livre mercado” vendem a ideia de que defendem e propagam uma liberdade individual absoluta. Só não podem acrescentar que para que ela seja verdadeira e não apenas um discurso sedutor, é preciso ter dinheiro.

         Por exemplo:

         Eu posso expor minhas ideias e artes nas redes sociais, plataformas e publicar jornais para divulgá-las atingindo um bom número de pessoas, desde que tenha dinheiro. Também cabe perguntar se as ideias são realmente minhas ou se são influência de uma indústria cultural e de meios de comunicação muito mais poderosos do que eu.

         Tenho “direito de ir e vir”, sair por aí, pela cidade, pelo país e pelo mundo, desde que tenha dinheiro. Posso comprar carros, casas e eletroeletrônicos novos, desde que tenha dinheiro. Posso até mesmo mandar meu patrão à merda, desde que tenha uma soma de dinheiro que me mantenha ou, então, um outro emprego em vista que me submeterá a um novo patrão.

         Mesmo que nunca se concretizem — e a maioria desses “sonhos” nunca se concretizam! —, tais planos existem como possibilidades reais na cabeça de quem compra a ideologia. É a velha cenoura amarrada na testa do burrico para que ele ande infinitamente sem reclamar e nunca a abocanhe!

 

VII - A meritocracia como a “cenoura inatingível”

         O Brasil nunca teve uma elite com o propósito de desenvolver uma filosofia e cosmogênese próprias que encarnassem o “espírito” do desenvolvimento nacional de forma autônoma e corajosa. 

Ao contrário. 

Sua “tradição espiritual” e visão de mundo é uma simples reprodução dos valores ocidentais europeus e estadunidenses — como, por exemplo, a ideologia do “livre mercado”, dentre outras — para tentar se integrar no mercado mundial e conseguir vender o país para enriquecimento de poucos. Esta “tradição espiritual” e visão de mundo transforma-se em tipos particulares de mentalidade e psicologia social nas massas, que tomam como suas. Daí advém a sua “esperança infinita” de que “a vida vai melhorar”. Só que ela nunca melhora. A ideologia de livre mercado esconde uma mentalidade colonial e uma das maiores desigualdades sociais do mundo.

         A meritocracia é uma forma de disfarçar ideologicamente a exploração, a roubalheira e a violência simbólica e real da classe dominante com um discurso supostamente “justo”. O povo brasileiro comprou a meritocracia a partir do discurso de empreendedorismo, mas sem levar em consideração que para empreender é necessário ter um mercado regulamentado que atenda o básico de serviços, infraestrutura urbana, rural, logística e, sobretudo, social, além de uma política financeira de empréstimos a juros baixo que possibilite o empreendedor empreender. 

O empreendedorismo e a meritocracia vendidos pela mídia e pela classe dominante brasileira não passam de uma ideologia para mistificar a realidade e jogar uns contra os outros, culpando o pobre pela pobreza e justificando as imorais fortunas dos bilionários. Triste é constatar o fato de que o povo compre-a tão facilmente, mesmo com tantas contradições na realidade sendo visíveis a olho nu.

Isso não quer dizer que ter mérito e qualidade no trabalho não seja importante — incluso em uma sociedade socialista —, mas isso nada tem nada a ver com uma ideologia que serve para justificar e mistificar a realidade brasileira e as suas gritantes desigualdades.

 

VIII - Devemos admitir que o povo pobre foi seduzido pela ideologia de livre mercado e a abraçou quase voluntariamente!

A nossa principal tarefa ideológica deveria ser emancipar o pensamento do povo do domínio do liberalismo dogmático (isto é: da ideologia do livre mercado). Porém, para termos alguma chance de mudar essa realidade e, consequentemente, a maneira de pensar da maioria do povo, temos que ter a coragem de olhá-la de frente e, a partir daí, propormos tarefas realizáveis e sensatas.

Devemos reconhecer que uma parte considerável do povo brasileiro quer acreditar na ideologia de livre mercado em função desta junção confusa de conceitos, preconceitos e práticas. O povo foi seduzido por décadas de doutrinação liberal e anti-comunista, beirando até mesmo a paranóia, o que demonstra a força das auto verdades irracionais, sempre utilizadas pelos ideólogos da burguesia contra o próprio povo. 

As elites nacionais e as suas mídias sabem bem os pontos nevrálgicos onde há propensões egotistas humanas prontas a serem manipuladas para seduzir, ludibriar e conquistar egos frágeis. Sabe seduzi-los com promessas demagógicas de riqueza e poder, que é um dos cernes fundamentais da ideologia do livre mercado — e o pior: sabe que o povo tem se vendido facilmente! Assim, uma grande parcela da população age contra os seus próprios interesses, sendo um resultado direto da manipulação da psicologia de massas. 

A ideologia de livre mercado se forjou e se consolidou na condução e manipulação do egoísmo humano presente em cada um de nós. Sabe onde apertar e onde aliviar. 

A “esquerda”, os movimentos sociais, sindicatos e partidos operários não têm sabido combatê-la. Ao contrário, têm se rendido às maiorias da sociedade civil e da opinião pública por medo da impopularidade momentânea, julgando, erroneamente, que para combater a ideologia de livre mercado basta ser o mais racional entre os racionais; o detentor das mais sábias e perfeitas análises econômicas entre os economistas e militantes; porém, não entende nada de ansiedade, vazio existencial e sequer está apta a ouvir um trabalhador sinceramente, com toda a sua presença e todo o seu coração. Ou seja, ignora orgulhosa e estupidamente a psicologia de massas.

         Pensa que o racionalismo iluminista é suficiente para enfrentar a manipulação liberal e que as infindáveis carências sociais e econômicas — vulgo, estômago vazio — geram automaticamente consciência auto-reflexiva e organizativa, sem que haja um enfrentamento e contra-debate dentro do terreno explorado e dominado pelo inimigo, que é a psicologia de massas, o vazio existencial, o sentimento numinoso preenchido pelas religiões organizadas, etc; não dá o exemplo a partir da própria pele, seja na escuta autêntica, seja na reformulação radical dos métodos de organização, de debate, de trabalho de base, de sensibilidade militante, etc. Faz tudo igual, sem criatividade alguma… e ainda espera resultados diferentes!

         Como é estreita uma visão política e econômica que não entende e enfrenta os mecanismos subterrâneos das paixões humanas. Como é triste e inglória uma luta que ignora as ansiedades da alma humana e pensa de forma positivista, achando que o mero discurso racionalista e científico é capaz, por si mesmo, de triunfar sobre o discurso irracional e a manipulação da burguesia e da sua direita neofascista.

         A desconfiança da política e dos políticos não tem sido atribuída pelo povo ao capitalismo, ao liberalismo e ao livre mercado. Eles são vistos e sentidos como forças supostamente neutras e até mesmo benéficas. A culpa é sempre estritamente dos políticos e da política (e… dos comunistas, que nunca estiveram no poder no Brasil!). A criticidade não tem avançado, não assumindo valores socialistas e humanistas, nem na visão política geral, nem nas relações pessoais cotidianas. É a força da ideologia que faz isso, justamente porque ganhou o coração e a mente do povo e passou a ser parte dele, da sua visão de mundo e dos seus valores.

         Nada do que a esquerda nos seus mais diferentes espectros tem feito arranha essas ilusões que cobram um preço duríssimo para as condições de vida da maioria da população. É o principal trunfo da burguesia na manutenção do sistema.

         Grande parte da manipulação da psicologia de massas do neofascismo diz respeito às dicotomias entre segurança material X independência real; dignidade democrática X bem-estar; orgulho X prosperidade. Quando nos lançamos em uma luta política, sindical e revolucionária, colocamos em jogo o nosso bem-estar material, pois nos enfrentamos com a perseguição em distintos níveis, podendo ser retaliado, demitido ou morto.

         Geralmente a classe trabalhadora passa pelas mais insidiosas necessidades materiais. A indústria cultural e a sua propaganda conseguiram inverter a lógica, a narrativa e as carências materiais criadas pelo capitalismo a seu favor. Além disso, as noções egóicas construídas por séculos de pregação judaico-cristã, mais a propaganda, as marcas, a sedução da fama e enriquecimento fáceis que são para poucos, mas que servem como a cenoura amarrada por uma vara de pescar no lombo do burrico, trabalha para que os proletários temam perder a segurança que eles não têm e a possível prosperidade que eles almejam ter um dia — e provavelmente nunca terão. 

Por enquanto, a propaganda capitalista venceu a comunista a partir da sedução da psicologia de massas por inúmeras promessas egocentradas de riquezas e poder, as quais as organizações comunistas e de “esquerda” não sabem fazer frente. 

         Tudo isso nos deveria forçar a tirar novas conclusões e a repensar tudo! Porém, quanto mais dogmaticamente auto afirmações de guetos são gritadas, tão mais inócuas se tornam e mais fracos nos tornamos para enfrentar as ideologias burguesas, que acabam tendo mais força e adesão por parte da massa trabalhadora.

         Talvez estas sejam algumas das razões pelas quais a ideologia do livre mercado têm sido amplamente hegemônica na sociedade civil e na mente e no coração de milhões de trabalhadores. Se, erroneamente, achamos que já temos a resposta, continuaremos a gritar as mesmas coisas de sempre. Reconhecer o problema, bem como as nossas insuficiências teóricas e práticas, é o primeiro passo para tentar acordar o povo.


domingo, 17 de agosto de 2025

Os vendilhões do Brasil

 


Não é só no templo de Jerusalém que habitam vendilhões. 

No Brasil, eles se consolidaram no poder, criaram uma estrutura social, política e econômica que impossibilita o surgimento de qualquer Jesus com força para expulsá-los do templo! Senão que eles próprios vendem o país inteiro “em nome de Jesus”.

         O Brasil nunca teve uma elite com o propósito de desenvolver uma filosofia e cosmogênese próprias que encarnassem o “espírito” do desenvolvimento nacional de forma autônoma e corajosa. Ao contrário. Sua “tradição espiritual” e visão de mundo é reproduzir os valores ocidentais europeus e estadunidenses — como, por exemplo, a ideologia do “livre mercado” — para tentar se integrar no mercado mundial e vender o país. Esta “tradição espiritual” e visão de mundo transforma-se em tipos particulares de mentalidade e psicologia social nas massas, que tomam como se fossem suas, embora nada influem e só sofram.

         Os vendilhões do Brasil criam teorias, ideologias, signos e narrativas diariamente para continuarem vendendo o país, pois daí vem o seu lucro e o seu modo de vida dominante. Menosprezam o povo e, indiretamente, o próprio país — sua cultura, seus costumes, dificuldades, sofrimentos, história, etc.

         Podemos nomear os principais vendilhões do país: a grande mídia (que controla a narrativa através do seu noticiário econômico diário); FEBRABAN (que controla a farra dos juros e do sistema financeiro); FIESP (que mantém o poder econômico centrado em São Paulo e numa indústria esquálida, voltada a glorificar o agro, se contentando com a condição subalterna no mercado mundial de produtos primários); o agronegócio (que manda e desmanda no país, controlando terras, desmatando, assassinando índios e quaisquer opositores Brasil afora, desde a época colonial, só mudando de produto de exportação ao longo do tempo); os políticos da direita e da extrema direita — em especial os bolsonaristas, que encarnam o espírito da entrega colonial — que sempre governaram o Brasil em nome deste projeto de o vender ao imperialismo à preço de banana; e, por fim, a esquerda reformista e conciliadora, que faz aliança com todos os vendilhões em nome de uma governabilidade que, em última análise, ajuda a manter toda a estrutura de dependência e semicolonialismo, além de burocratizar e paralisar o movimento sindical.

         Um país soberano, na prática, não deve tolerar que os interesses econômicos — sobretudo os estrangeiros — ditem seus imperativos para a esfera política e econômica. 

Isso, no entanto, é justamente o que ocorre no Brasil e na América Latina: os interesses econômicos da cúpula do mercado mundial ditam o que é certo e errado, a mídia comercial reproduz à exaustão e os vendilhões — que lucram milhões com essa submissão — obrigam os seus políticos de estimação à traduzirem tudo isso em sua prática política.

         Vejamos um exemplo:

         O projeto de “modernização” do corredor ferroviário que liga a Bahia e o Acre ao Peru, proposto pelos chineses, não tem nada a ver com uma integração nacional e latino-americana, mas tem como objetivo central facilitar o escoamento da soja e da carne do agronegócio para a China. Não há, portanto, nenhuma grande preocupação com o desenvolvimento econômico que redunde num bem-estar social do povo, mas apenas no atendimento das demandas do agronegócio, que nos remetem aos tristes tempos do colonialismo português, quando se produzia pau-Brasil, açúcar, ouro e café. 

O Brasil foi fundado sobre esses interesses: primeiro foram as feitorias e fortalezas portuguesas no litoral; depois foram as ferrovias de capital inglês; no século XX foram as rodovias, montadoras e petroleiras ianques. No século XXI é o agronegócio e a sua exportação para a China, embora sobrevivam muitos vendilhões ligados ao imperialismo estadunidense em distintas esferas.

         Os vendilhões possuem muita grana, o que possibilita financiar jornalistas, escritores e publicitários nas mais distintas esferas para propagandear os seus interesses individuais e mesquinhos como sendo o mesmo que o desenvolvimento nacional. No entanto, são justamente estes mesmos interesses que mantém o povo vegetando na miséria, no desemprego e numa economia que lhe é estéril, porque não se preocupam e nem querem projeto de país diferente dessa estrutura econômica.

         Trata-se, portanto, da manutenção do Brasil como um país semicolonial, enquanto vendem a imagem de único “desenvolvimento” possível. Os vendilhões se adaptam rapidinho aos “novos tempos”: antes Portugal, Inglaterra e EUA; hoje a China!

         A briga, portanto, se dá entre os vendilhões que querem dar de bandeja o país ao imperialismo dos EUA, que não aceita perder seu trono, caluniando, sabotando, dando golpes e matando; ou para aqueles que querem começar a negociar a venda do país em condições um pouquinho melhores para a China.

         Até quando o povo brasileiro tolerará esse tipo de conduta?

domingo, 3 de agosto de 2025

Que discurso de soberania é esse?

Para de fato fazer valer a soberania nacional é preciso ter clareza sobre o que ela é e sobre quem pode anulá-la. Uma visão equivocada, como as que tem pipocado nas redes sociais do governo e de muitas pessoas, pode embaçar a compreensão e o nosso arremedo de soberania ser solapado com um sopro.
O discurso centrado exclusivamente no fato de que as tarifas de Trump e a submissão dos bolsonaros aos EUA visam o benefício individual dos membros dessa família é equivocado. É evidente que eles se beneficiam da situação enquanto indivíduos, mas o que Trump e os EUA estão visando não é prioritariamente a defesa dessa família, que é só um instrumento (como já existiram tantos outros), mas sim os interesses estratégicos dos EUA na América Latina frente à China e Rússia.
Era isso que precisaria estar sendo ressaltado pra gente começar a entender o que é soberania, ou falta dela.
Outro fator não menos importante é a submissão do Brasil às big techs (google, facebook, whatsapp, etc.), que podem fazer um apagão tecnólógico, de dados, de funcionamento do país se assim o desejarem. Frente a isso não há plano B, nem projeto alternativo de desenvolvimento tecnológico nacional, o que demandaria investimentos que o governo não fará porque o orçamento federal é sequestrado pelos interesses do sistema financeiro e pela cúpula do mercado, que ainda são controlados pelos EUA.

Que soberania é essa, então? 

***

Outra coisa que não deveria nos descer é esse papo furado de 200 anos de boas relações diplomáticas entre EUA e Brasil que prega a esquerda festiva e a grande mídia burguesa.
Daonde?
Comprovadamente os EUA deram, pelo menos, 3 golpes de estado no Brasil pra mudar o governo. Isso são boas relações diplomáticas?
Quer dizer: ou tu tem o governo que eu quero, que me beneficia, ou então eu dou um golpe de Estado na tua "democracia"...
Que boas relações são essas que um tem déficit comercial crônico e sofre golpes de Estado patrocinado pelo outro lado?

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A meia soberania do governo Lula

As tarifas de Donald Trump contra o Brasil parecem acender uma brasa nacionalista em parte do povo brasileiro e, em especial, na militância petista. De fato, as declarações e posições de Lula foram importantes, há muito tempo não vistas por um presidente brasileiro. Tais declarações jamais seriam dadas pelo bolsonarismo em seu "patriotismo" que é tão vira-lata que se orgulha de ter “conquistado” tarifas estrangeiras contra o seu próprio país.

        No entanto, apesar das declarações, é importante ponderar que ainda estamos muito longe de uma soberania real. Declarações sem ações concretas são palavras que o vento pode levar. Há toda uma estrutura política e econômica que deixa o Brasil subordinado aos imperialismos e, em especial, ao estadunidense.
        Vejamos um caso ilustrativo a título de comparação.
        Em função da guerra da Ucrânia, a Rússia sofreu diversos tipos de sanções, inclusive de sonegação de tecnologia por parte dos países ocidentais — como ela é o combustível da economia eletrônica, isso equivale a um embargo de petróleo do século XX.
        Quem nos explica como a Rússia reagiu à estas arbitrariedades é o próprio ministro das finanças russas, Anton Siluanov. Ele disse em uma entrevista o que segue:

        “Nós seguimos uma política financeira responsável em termos de baixo endividamento
[público]. Temos uma dívida equivalente a 15% do PIB. A dívida pública é provavelmente uma das mais baixas do G-20. Quando as sanções e restrições foram impostas à Federação da Rússia, concentramos principalmente nossos recursos financeiros no apoio às pessoas, ajudamos as famílias com crianças pequenas a partir de fundos adicionais. Fizemos mudanças tributárias que aumentaram a justiça. Assim, as pessoas que podiam e ganhavam mais, podiam contribuir mais para o orçamento. Fizemos uma escala tributária progressiva. Isso forneceu recursos precisamente para ajudar as pessoas que precisam do apoio do governo.
        Concentramos recursos para garantir a soberania tecnológica. Algumas tecnologias nos foram negadas. Começamos a desenvolvê-las por nós mesmos, direcionamos recursos para lá, juntamente com o setor empresarial, estabelecendo as competências respectivas nos setores de engenharia mecânica de produção de rádio-eletrônicos; naqueles setores em que costumávamos importar alguns produtos, equipamentos, bens tecnológicos para motores para a fabricação de aeronaves, construção naval e assim por diante.
        De qualquer forma, começamos nosso trabalho de substituição de importações e obtenção de nossas próprias competências. Tudo isso levou a que a dinâmica do desenvolvimento econômico e o impulso orçamentário fossem bons.
        Funcionou.
        E temos crescido nos últimos anos a uma taxa acima dos 4%. Este é um bom resultado, acima da média mundial.
        Agora o nosso Banco Central, no final do ano passado, início deste ano, viu riscos de aumento da inflação e tomou as decisões necessárias para controlar o aumento dos preços. Isto, é claro, afetou a dinâmica de desenvolvimento, mas vemos que, em geral, no ano corrente, esperamos uma dinâmica de crescimento econômico de cerca de 2%. Estas são as nossas expectativas para o ano corrente.
        Então, quando você pergunta, qual é a experiência?
        É a experiência de uma política orçamentária responsável, concentração de recursos nas principais prioridades às pessoas e ao desenvolvimento tecnológico. E, consequentemente, no futuro, sempre olhamos para vários anos à frente. Como o orçamento é elaborado e quais os fundos. E o principal é que coordenamos nossas ações, tanto da política orçamentária como da política monetária e de crédito. Em geral, estas são as decisões estruturais que o governo da Federação da Rússia toma. Coordenamos as ações do Banco Central. Parece-me que isso é uma garantia de que todas as sanções externas não serão dramáticas”
(entrevista concedida à Sputnik, no início de julho de 2025).

        Reparem a diferença entre soberania e meia soberania!
        Ainda que tenhamos as mais severas críticas ao governo de Putin, sobretudo no que tange à relação com os vizinhos, é preciso aprender com suas medidas econômicas de governo se queremos falar em soberania. A preocupação do governo russo com o povo comum é o mínimo — isto se ela existir de fato —, dado que existem oligarcas bilionários que vivem da exploração de muitas riquezas naturais do país. De qualquer forma, a reflexão é válida.
        Conforme pudemos ver, a primeira ação a ser realizada é a soberania sobre as próprias decisões econômicas, fato que nunca aconteceu no Brasil — nem mesmo nas gestões petistas. Gerir a própria economia é algo que está muito longe da presidência brasileira, por isso há que se ter cautela com declarações políticas que não possuem respaldo no campo econômico.
        Além das possibilidades reais de golpes políticos (militares, parlamentares, jurídicos, midiáticos, etc.), existem inúmeros mecanismos econômicos do “livre mercado” que podem ser usados para chantagear e estrangular o governo brasileiro, como as taxas de juros, os ajustes fiscais, as tarifas protecionistas, a sonegação de tecnologias, etc. A fragilidade econômica brasileira é tão evidente que todos os membros dos BRICS sabem que o Brasil pode ser descartado do bloco, caso a presidência do país seja assumida pelo bolsonarismo ou por qualquer outro agente entreguista da direita.
        Quem decide os juros e rendimentos brasileiros é o sistema financeiro e o Banco Central “autônomo”, o que tem impactos direto na inflação e, consequentemente, no custo de vida do povo, possibilitando a manipulação midiática da popularidade do governo. O Itamaraty tem funcionários que operam por si mesmos, sabotando decisões da presidência da República e dos BRICS. A mentalidade da maioria do povo endossa a ideologia de “livre mercado”, que opera nos bastidores e defende golpes de Estado sempre que a “sua liberdade” for ameaçada — sem dó, nem piedade. A política e a grande mídia estão dominadas por esta narrativa, que obriga qualquer governo a andar sobre o fio da navalha.
        Basta um golpe de Estado, dado com os métodos neofascistas da manipulação da psicologia de massas, para que a presidência do país volte a se alinhar totalmente aos EUA e, portanto, destrua qualquer sombra de soberania e sirva como um cavalo de Tróia nos BRICS.
        A aliança do governo Lula e do PT não é apenas com Alckmin e o centrão, mas com o empresariado nacional, o agronegócio e o STF — incluindo até mesmo a Rede Globo! Estes setores sociais são totalmente instáveis, submissos aos EUA e se vendem a quem pagar mais, mesmo que momentaneamente tenham se indignado com o tarifaço do homem-laranja e a sua tentativa de ingerência sobre o julgamento de Bolsonaro. E, como sabemos, os EUA chantageiam de distintas formas, inclusive prometendo “pagar mais” para possíveis futuros aliados. Nenhum deles tem, portanto, o interesse em um Banco Central que controle as taxas de juros, a inflação e que se pense o país para “vários anos à frente”; tampouco possuem a firmeza necessária para assegurar a soberania brasileira frente à pressão do imperialismo — sobretudo quando eleições polarizadas se vislumbram no horizonte e um golpe estadunidense pode vir por muitos meios que o PT não tem condições de enfrentar com uma política social-democrata, conciliadora e mantida, basicamente, por discursos e “boas intenções”.


        Além disso, o “centrão”, o agronegócio e o sistema financeiro são radicalmente contra qualquer taxação de suas fortunas. O STF, por sua vez, lava as mãos nesta disputa, dizendo que é a “política que tem que resolver”. O governo não tem projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Quer vender “soberania” a partir de negócios com a China, deixando ela ditar o desenvolvimento industrial e infraestrutural — para o empresariado e o agronegócio não é problema algum. Muitos setores da “esquerda” também apostam todas as fichas na relação com a China, vendida como o modelo “socialista do século XXI”.
        E o movimento sindical? Este continua subordinado ao sindicalismo burocrático petista que é incapaz de fazer mobilizações independentes que sejam o reflexo do povo nas suas reais bases sociais — e na maioria das vezes atropela autoritariamente oposições. Até o presente momento tem perdido a adesão social de massas para a direita neofascista.
        O PT — através da Fundação Perseu Abramo — força a barra quando diz que Lula tem “medidas concretas” para enfrentar Trump (para ler, clique aqui). Não! Todos os principais canais da economia e grande parte das instituições políticas estão mais nas mãos do imperialismo estadunidense e dos seus aliados nacionais (o empresariado, o sistema financeiro, o agronegócio e a grande mídia) do que nas do governo brasileiro — e isso precisaria ser levado seriamente em consideração.
        Existe um “tema de casa” de enfrentamento aos vendilhões do país, bem como à sua estrutura econômica, que os governos petistas precisam fazer desde 2003 e, agora, tentam resolvê-lo apenas com palavras.

domingo, 13 de julho de 2025

O imperialismo estadunidense frente à cúpula dos BRICS no Brasil

 

Ao fim da 17ª cúpula dos BRICS no Rio, até dá pra sonhar: o Brasil como um centro mundial que recebe diversos países, sendo uma opção às estéreis e antidemocráticas reuniões da ONU e do G-7; o BRICS como uma alternativa real aos desmandos do imperialismo estadunidense, fazendo uma "revolução silenciosa" e uma transição pacífica de uma "ordem de guerras" e do "imperialismo do caos" para uma ordem multipolar, onde civilizações, culturas e povos são respeitados no que são.
As fotos da cúpula são bonitas; os encontros e os discursos também. No entanto, o imperialismo não é um tigre de papel. Ele opera, confunde e sabota.
A Casa Branca se remói. Não pode parar o processo do BRICS de forma pacífica. Nunca pararam pacificamente nenhum processo democrático de integração ao longo de todo o século XX e não o farão agora, no século XXI.
Trump, o deep state e o neofascismo já colocam a sua máquina pra funcionar: o homem-laranja afirma que países que fizerem parte dos BRICS pagarão tarifa de 10% nas exportações aos EUA. Faz drama sobre o processo contra Bolsonaro no STF para atiçar a sua base social. Os filhos prometem: "esta não será a única novidade vinda dos EUA".
Isso só pode significar uma coisa: golpe!

E os golpes não serão como os de antigamente (as tarifas de Trump são apenas o começo do novo tipo de manipulação). A máquina do imperialismo estadunidense é ágil e se recicla rápido. Nada de utilização do exército! Será via incitação do movimento de massas neofascista, ao qual o petismo e a "esquerda" em geral não sabem enfrentar, nem sequer reconhecer, uma vez que ignoram a psicologia de massas, sua própria atuação, dentre muitas outras coisas...

sexta-feira, 20 de junho de 2025

O agro é atraso! O agro é colonização! O agro é escravidão!


Ao que tudo indica, não é apenas a Rede Globo que sustenta que “o agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo!”.

         Num post da internet que coloca o seguinte questionamento: “qual o maior inimigo de classe no Brasil?”, o profeta do “socialismo chinês”, Elias Jabbour, sustenta o seguinte:

         “O agronegócio não é meu inimigo principal de classe. O meu inimigo de classe é o capital financeiro”.

         E ele nem cora de vergonha!

         Como sabemos, o agronegócio é o principal exportador de soja e carne para a China. Ele está totalmente interconectado com o capital financeiro. O sistema financeiro e o agronegócio são os principais beneficiários e patrocinadores da atual situação econômica semicolonial do nosso país. Para Jabbour, no entanto, o Brasil só pode se desenvolver se estiver colado à China, independentemente de que papel cumpra nessa relação.

         Se é certo que se deve observar atentamente a relação Brasil-China não só a partir do agronegócio, mas dos BRICS e da geopolítica mundial, certamente não se deve embelezá-lo perante o povo, uma vez que um dos principais expoentes da chamada “elite do atraso” é, justamente, o agronegócio.

         É o agronegócio a continuação das típicas relações coloniais do Brasil que escravizaram o seu próprio povo para enriquecer metrópoles estrangeiras. Todo o projeto de “modernização” e “infraestrutura” proposto pela China e apoiado entusiasticamente por empresários do setor, políticos de direita e “esquerda”, e militantes como o próprio Jabbour, visam escoar a sua produção ao exterior em detrimento de uma industrialização que atenda aos reais interesses e anseios do povo brasileiro.

         É o agronegócio que mantém posturas extremamente autoritárias na política, no campo, nas legislações. Não há diálogo quando seus interesses são questionados. Sua postura não é só totalitária, é colonial! Nos remete aos tempos portugueses do açúcar, do ouro e do café. Quem lhe questiona é esquartejado, simbólica ou fisicamente.

         Por isso a linha política de Jabbour mais parece a busca por uma nova metrópole — com um discurso arrojado, atraente e “igualitário”, mas, ainda assim, uma metrópole! — do que uma emancipação política e econômica do Brasil. 

Certamente o projeto de subordinação aos EUA que vigorou até hoje não é melhor, senão que é mais predatório e violento, tanto no discurso, quanto na prática. No entanto, não são os chineses que devem dizer como tem que ser a nossa industrialização e o nosso desenvolvimento econômico; nem nós deveríamos esperar por isso.


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Os investimentos chineses, os BRICS e o velho impasse petista

O governo Lula anuncia investimentos da China no Brasil. Parte da militância petista já prega a aurora de um novo tempo: “a visita de Lula à China consolida a cooperação em setores estratégicos e reforça o papel do Brasil na construção de uma ordem multipolar” (para ler clique aqui).

         A euforia destes anúncios não pode esconder a realidade para olhares mais atentos: os 27 bilhões de reais não significam mudança real para o povo, porque esses investimentos são efêmeros para quem depende do próprio trabalho para viver. Eles visam, no geral, apenas o enriquecimento empresarial — e, mais especificamente, o agronegócio —, que reverterá todo esse dinheiro para si mesmo em um mercado interno e um sistema financeiro totalmente desregulamentados, que não atendem as necessidades do povo para um desenvolvimento equilibrado do país.

         Além disso, no Brasil nunca se pode descartar um novo golpe de Estado patrocinado pelos EUA, que estanque esses investimentos e criem uma cunha nas relações com a China e os BRICS. Portanto, não podem esconder com palavras que o papel do Brasil na construção de um mundo multipolar não está assegurado de forma alguma, quanto mais consolidado.

         O governo Lula e o petismo vendem a ideia de que a partir da busca de investimentos no exterior, “criação de empregos” e do crescimento de áreas da economia nacional, sem um planejamento integrado, coerente e contínuo, é possível desenvolver o país e assegurar uma vida justa ao povo.

         Não.

         Nada pode substituir o enfrentamento aos setores que sugam a riqueza do país e as enviam para o exterior, deixando-o sem o menor controle sobre a própria economia. Enquanto Lula anuncia esses investimentos chineses, a política nacional continua controlada pela velha elite agroexportadora — que possui uma bancada muito bem organizada e militarizada no Congresso Nacional, intimidando e perseguindo opositores —, além do sistema financeiro e dos banqueiros, que asseguram aos capitalistas estrangeiros o monopólio e o controle sobre o país. 

Sendo assim, estes investimentos não podem se reverter em uma realidade melhor para o país, mas em algo passageiro, que não pode deter a crise política e os inevitáveis impasses do final dos mandatos petistas, pautados na conciliação de classes.

 

O Brasil e os BRICS

         Há quem veja nos BRICS e, em particular, na relação do Brasil com a China, a redenção do nosso país de sua condição de neocolônia.

         No entanto, somente os governos petistas apostam nos BRICS — e ainda sim de forma muito limitada. O bolsonarismo já anunciou que tiraria o país do bloco caso voltasse ao poder. Aliás, até podemos concluir que a criação do movimento bolsonarista no Brasil pelos EUA tem esta finalidade central.

         Mesmo assim, o petismo — sob o governo lulista — não vai além de “uma busca de investimentos” na China quando trata dos BRICS. Age, portanto, moderadamente para não causar atritos externos com os EUA; e internos, com as forças políticas e as hegemonias sociais que agem em nome do imperialismo ianque. Fala em soberania nacional, critica os tarifaços de Trump, busca fóruns e inúmeras cúpulas estéreis para a integração latino-americana, mas teme à morte a desdolarização e o enfrentamento com o imperialismo.

         A atual presidência brasileira dos BRICS tem agido mais como uma força “neutra”, diretamente pró-EUA, do que como um ator soberano e independente, interessado em fortalecer e consolidar o suposto “mundo multipolar”.

         Os sites “The Saker” e “Global South” tem criticado duramente a presidência brasileira dos BRICS, principalmente após a reunião de ministros do exterior, ocorridas em 28 e 29 de abril, no Rio de Janeiro: “Brasil tenta impedir o avanço dos BRICS” (para ler, clique aqui).

         Isso não acontece por acaso: o governo Lula e o petismo não lutam por criar uma nova correlação de forças internas. Como, então, poderá orientar a sua presidência do bloco a criar uma nova correlação de forças internacionais?

         O petismo provavelmente deixará o país à mercê de novos golpes da direita, porque seu projeto não avança para além do velho programa liberal de esquerda, com um sindicalismo burocrático e carreirista, limitado pela estratégia eleitoral — que dá maiorias à direita nas instituições políticas e sociais. Além do mais, o petismo não combate coerentemente a hegemonia da ideologia de livre mercado e a mentalidade meritocrática da maior parte da população, senão que as reforça.

 

Os limites dos BRICS e os limites do Brasil dentro do bloco

         Este blog já analisou os limites dos BRICS (para ler, clique aqui), que, como sabemos, é liderado por China e Rússia.

         A multipolaridade proposta por estes países poderá substituir com êxito a hegemonia estadunidense ou apenas criará uma outra “hegemonia multipolar”, com uns poucos “polos” a mais e uma grande periferia com pequenas elites econômicas dominantes sobre uma maioria de pessoas exploradas? Isto é: conseguirá criar um mundo melhor do que o existente ou apenas novas formas de dominação, mais refinadas e sutis? Tal mundo multipolar conseguirá reintroduzir valores humanos e socialistas na economia e na sociedade ou apenas modificará e refinará as formas de capitalismo?

         Além destas contradições intrínsecas ao bloco, existem as contradições próprias do Brasil que correspondem às suas limitações geopolíticas na arena internacional e do petismo como condutor deste processo, que permanece prisioneiro da hegemonia estadunidense, pois constrói suas críticas sobre postulados como “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “direitos humanos”, “respeito às leis de mercado” [monopolizado] etc., o que revela uma visão centrada no Ocidente como valor universal — ou seja, está enredado nas pautas e agendas cínicas dos EUA e dos seus agentes nacionais.

         Em síntese, o governo brasileiro atua como uma espécie de cavalo de Tróia dentro do bloco, agindo de forma contrária a tudo o que esperam os governos de China e Rússia e, em especial, dos teóricos do chamado mundo multipolar. Sem enfrentar a elite brasileira frente a frente, repensando o país, sua economia e instituições, não há como atuar de forma soberana dentro e fora dos BRICS.


domingo, 6 de abril de 2025

Existe relação entre a "educação especial" e a mais-valia relativa?

 

A educação especial é um sinal dos nossos tempos.
De repente descobriu-se uma série de transtornos e deficiências nos mais variados níveis entre as crianças e passou-se a levá-los em consideração.
Ninguém em sã consciência pode ser contra incluir alunos autistas, disléxicos, com TDAH, com síndrome de down, etc., nas salas de aula. Toda convivência humana é importante e, com mais razão ainda, se faz necessário tentar incluir alunos com transtornos e síndromes.
No entanto, a maneira como se tem feito isso é que gera transtornos na vida dos professores, dado que se chega com inúmeras demandas, exigências, protocolos formais e, muitas vezes, estúpidos, em sistemas educacionais saturados e repleto de problemas nunca enfrentados.
Eu, particularmente, considero importante incluir os alunos especiais em turmas regulares, porém, isso deve ser feito com sabedoria e sem pressão descabida.
Sinceramente, eu penso que o que podemos fazer em salas de aulas com 25 ou 30 alunos é observar o comportamento dos alunos especiais e a sua relação com a turma. Que todos os especialistas, psicólogos, supervisores, "gestores", prefeitos, governadores e presidentes assumam uma sexta ou sétima série por uma semana e tentem dar aula para ver se eu estou exagerando.
Caso passem nesse teste, aí terão autoridade para exigir com rispidez e autoritarismo.
A "grande solução" encontrada para enfrentar as demandas foi colocar monitores, que acompanham os alunos especiais. Sem dúvida é muito importante, mas ainda assim não resolve o problema, dado que muitas vezes estes também são tomados por outras tarefas, não podendo estar diariamente. Além do que, na maioria das vezes, com inúmeras turmas, exigências burocráticas, trabalhos e provas, é muito difícil e penoso realizar "atividades especiais".
Os nossos "gestores" da educação querem ganhar os seus "selos de qualidade" e "humanismo" às custas do aumento da nossa exploração e carga de trabalho. Eles levam a fama; nós o trabalho dobrado, que, na maioria das vezes, é formal, porque é humanamente impossível dar conta de uma turma e, ainda por cima, pensar com qualidade as atividades, mais a integração e a correção de cada avaliação.
Eis aí o paralelo entre a "educação inclusiva" e a mais-valia relativa: para Marx, a mais-valia relativa ocorre quando o capitalista aumenta a produtividade dos trabalhadores, geralmente por meio de inovações tecnológicas, sem elevar o salário. Isso permite que, em um mesmo período, o trabalhador produza mais, gerando mais valor que será apropriado pelo capitalista.
Certamente existem limitações para essa analogia, mas ainda assim é válida. Nem os professores produzem mais-valia, nem os alunos especiais são mercadorias.
Além do quê, não se trata prioritariamente de questão salarial, ainda que o mínimo seja pagar mais por cada inclusão, já que demanda mais trabalho. No entanto, mesmo que houvesse aumento salarial, a questão não se resolveria, dado que o sistema educacional brasileiro vive em crise permanente. Portanto, trata-se, sobretudo, das condições de trabalho.
Por que as editoras que ganham rios de dinheiro com livros didáticos que muitas vezes são superfaturados e, em outros casos, como na SMED do MDB de Sebastião Melo, são usados para caixa 2, não produzem materiais adaptados para todos os tipos de transtornos e deficiências?
Os monitores podiam ser instruídos a usá-los e nós apenas supervisionaríamos e mostraríamos os assuntos que abordaríamos. O MEC, as secretarias estaduais e municipais de educação, além dos "gestores" das escolas privadas, sabem muito bem quais são os conteúdos de todas as matérias em cada série, poderiam, portanto, facilitar e colaborar com o nosso trabalho.
Então, na realidade, o problema não seria falta de planejamento e vontade política de governos e "gestores"? Por acaso eles não sabem como estão difíceis as condições de ensino e aprendizado nas nossas escolas, achando que é — literalmente — só depositar mais alunos nas salas de aula?
Eles sabem...
E o problema não termina aí: não há reuniões pedagógicas regulares e suficientes que deem conta das demandas — o que seria uma exigência mínima. Tampouco há planejamento e preocupação real em resolver estes problemas. Sequer há reuniões pedagógicas produtivas e livres para as demandas das turmas regulares.
Os sindicatos dos magistérios também não falam nada a respeito, nem se preocupam com tais problemas que tem tomado cada vez mais o caráter de cobranças arbitrárias e autoritárias sobre os professores. Só sabem formar reivindicações em torno do salário, o que é muito importante, mas nitidamente insuficiente (e, quando torna-se um ramerrão, fica contraproducente). As condições de trabalho cada vez mais precárias pela falta de estrutura, calor, frio e cobranças baseadas no assédio moral também vão nos adoecendo e nos empobrecendo de diversas outras maneiras.
Assim, vivemos no dia a dia entre o estresse das pressões de governos e direções/supervisões, a omissão dos sindicatos nas questões diárias e as ficções a que muitas vezes somos obrigados a recorrer, por bem ou por mal...